Ela foi a primeira repórter do Brasil mas não está na maior parte dos livros de Jornalismo. Foi a primeira mulher a sair a campo disfarçada para fazer investigações jornalísticas no país. No início do século XX, este ofício era apenas para homens, considerado perigoso e falta de decoro para as mulheres. Havia também a barreira do analfabetismo feminino, na época apenas 20% das mulheres sabiam ler e escrever. Esta pioneira não freqüentou escolas, mesmo assim dominava o português, o espanhol e o francês, que aprendeu de forma autodidata, lendo dicionários. Mas, quem era ela?
Era apenas uma garota, de 16 anos, que se vestia com terno, camisa, gravata, calça e chapéu enquanto as outras mocinhas trajavam vestidos longos de babados e sombrinhas. Seu nome: Eugênia Brandão. Era mineira, nascida em 1898 em Juiz de Fora, neta de barões mas que chegou no Rio de Janeiro sem dinheiro algum.
A mãe não pôde requerer a herança da família por ser viúva, segundo o costume o dinheiro ficou em posse dos irmãos homens. Na capital, foi trabalhando que elas conseguiram o próprio sustento, a mãe em uma agência dos Correios e ela em uma livraria. Em seguida, Eugênia iniciou a carreira no Jornalismo no Jornal carioca Última Hora, tornando-se a primeira mulher a ser repórter no Brasil. Logo depois foi trabalhar no jornal A Rua, quando ganhou popularidade por uma série de reportagens investigativas que realizou em um asilo de jovens enclausuradas. Porém, a fama que teve no período foi sendo apagada pelo tempo. Hoje é apenas uma desconhecida.
Eugênia Brandão foi famosa em uma época de mais famosos que ela – Jorge Amado, Graciliano Ramos, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes... Aliás, era amiga de todos eles e frequentemente os recebia em casa. Só que eles são lembrados hoje, por que será que ela não? Sandra Moreyra, repórter do Jornal Bom dia Brasil da Tv Globo, é uma das netas de Eugênia e acredita que tem a resposta. “Minha avó acaba sendo esquecida por uma sociedade a qual não interessava ter uma mulher à frente”, analisou. “Nos anos 30 e 40 as pessoas não estavam preparadas para aceita-lá porque ela estava muito à frente de seu tempo”.
Na segunda fila, Eugênia Brandão é a segunda da direita para a esquerda. A garotinha na foto é Bibi Ferreira, famosa atriz do Rio de Janeiro.
A sociedade conservadora da época talvez não estivesse mesmo preparada para “engolir” Eugênia. Na juventude ela foi uma boêmia, trabalhava no jornal A Rua, que circulava às quatro da tarde, e depois do expediente ia para os cafés, acompanhada só por homens. Mas o que mais escandalizava e dava assunto para as más línguas eram os modos da mocinha: usava cabelos curtos na altura da nuca, andava com traje masculino, fazia arruaça e fumava cigarrilhas – uma espécie de charuto, só que de espessura semelhante a de um cigarro. “Mamãe viveu a vida dela do jeito que achou que tinha que ser vivida e o resto, que se dane, não dava importância para o que os outros diziam dela”, contou Álvaro Samuel, 86 anos, filho de Eugênia.
Mesmo depois de casada e mãe de oito filhos (veja bem, oito filhos!) a primeira repórter não deixou de causar polêmica. Foi comunista atuante, sufragista (defensora do voto feminino), atriz e musa de artistas do Modernismo, por vezes retratada em pinturas. Em 1935 foi presa pelo governo Vargas sem qualquer acusação formal. Permaneceu na Casa de Detenção por seis meses, dividiu a cela com outras mulheres militantes, quase todas comunistas, entre elas Olga Benário, a mulher de Luís Carlos Prestes. Quando saiu, voltou direto para os palanques, foi protestar pela libertação de Olga que havia sido entregue para a Alemanha Nazista.
Eugênia morreu em 1948 por derrame cerebral, até os últimos minutos de vida se preocupou com política. Uma das últimas coisas que escreveu foi uma breve mensagem, em um papelzinho: o que vale não é o que somos mas o que seremos.
E se Eugênia Brandão fosse viva hoje?
Ela teria 109 anos e veria que o cenário do Jornalismo mudou. Diferente de seu período, hoje são os rostos femininos que predominam nas redações. Segundo dados da FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas) as mulheres ocupam 51,5% das vagas no Jornalismo. Em 2006, dos 11.574 jornalistas contratados e regularizados no país, 6.284 eram mulheres. O número não abrange os profissionais que trabalham sem registro em carteira mas, acredita-se que se considerados a porcentagem de mulheres jornalistas seria ainda maior.
Mas, nem tudo são flores, o salário dos homens na área é, em geral, 500 reais a mais que o da mulher. Também são deles os cargos de chefia nos principais veículos de comunicação social do país.